quarta-feira, 22 de setembro de 2010

Produzindo você

Foi em um show que eu o conheci. Eu o conheci como 'o produtor'. Ele não tinha nome e nem mesmo rosto. Algumas palavras foram lançadas em sua direção, um pedaço de papel surgiu em minha mão e eu o entreguei. Pedi de volta. Precisava anotar, mas só tinha caneta. Ele, gentil, me devolveu para que eu anotasse o que seria a porta de entrada da nossa relação.

Fui embora sem tocar. Sem sentir cheiro ou gosto. Sem olhar em seus olhos. Sem promessas. Sem construir sonhos. Sem provocar decepções.

Tudo era pra ser profissional, pelo menos até a primeira mensagem instantânea. Como ele teve a coragem de me perguntar o que eu fazia em casa em um sábado à noite? Não se pergunta isso para alguém. Ainda mais se tratando de alguém que você ainda não conhece, não sabe o telefone, a comida preferida, o que faz com seu tempo livre. Mas tudo isso ele descobriu com o tempo.

Antes mesmo da intimidade veio a briga. E esta se multiplicou ao longo de toda a pseudo-relação. Para falar a verdade, eu adorava. Era ali que eu realmente o conhecia. Gostava quando parecia mais duro, impostando a voz (eu amava sua voz) e dizendo verdades que nem existiam, mas naquele momento pareciam bem convincentes. Ele vencia quase sempre. Eu preferia perder para ele do que perdê-lo.

E lá se foram alguns meses atendendo telefonemas quase que programados. "Quando sair daqui eu te ligo" essa eu ouvi muitas vezes. No dia em que ele me ligou pela manhã foi uma grande surpresa. Nunca tinha me dado "bom dia" antes. Queria ter gravado. Mas mais uma vez ele desligou rápido, tinha que pegar o ônibus, ou entrar em uma reunião, ou falar com o primo que entrara no carro, conversar com o taxista, tirar dinheiro no caixa eletrônico, tomar seu açaí. Ele era realmente muito ocupado.

Eu era como a hora do recreio de um dia tão estafante e espremido em compromissos. Não tinha folga nem mesmo nos seus dias de folga. Mas eu estaria sempre ali ao seu alcance. Mesmo que tivesse que dar lugar a uma chamada em espera. Não posso reclamar, ele era tão gentil me ligando primeiro. Colocava o pé fora do seu QG e já me ligava. Que tipo de pessoa egoísta seria eu se o impedisse de falar com as outras?! Afinal, tempo não era algo que ele dispunha em abundância. Nem mesmo para me ver ele tinha tempo. É de dar pena, não é?! Eu tive que aprender a dividir - coisa nada fácil para uma capricorniana filha única.

Bem, era de se esperar que um dia eu estaria na espera. E esse dia chegou, antes do esperado. Não tinha novidade nele. 'Eu conheço seus passos, vejo seus erros. Não há nada de novo'. Então por que será que me surpreendi tanto? Não, não pense muito. Eu já te respondo. Dois motivos me prejudicaram nesse jogo.

Primeiro eu realmente acreditei que era especial e que comigo tudo seria diferente (odeio essas atitudes 'mulherzinha').
Segundo erro fatal foi pensar que poderia controlar. Eu ainda não aprendi que minha vida não é um evento com cronograma e check list.

Ao final eu tenho a soma de muitas mensagens de texto (na verdade metade, pois a outra parte o assaltante educado me levou), alguns e-mails, uma agendinha de telefone rabiscada, a curiosidade em saber por que só usa camisa listrada, uma lacuna no horário noturno de nossas conversas e uma vontade que não passa de sentir que gosto tem você.

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